07/02/2018

Dezenas de milhar? Não me parece!


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No JN digital de 19 abril, do ano que recentemente findou, foi publicada uma notícia que trazia agarrado a si este título:

“Dezenas de milhar nas ruas para pedir mais democracia na Venezuela” (grifos meus)

O longilíneo cabeçalho vem mostrar-nos que a problemática relativa aos numerais coletivos, em determinação nominal, não goza ainda da devida clarificação. É bom lembrar que a singularização dos “milhares” emerge de uma moda instalada nos anos 90 que, não fossem os gramáticos mais atentos, teria colhido honras de consagração linguística.

Importa nunca perder de vista princípios elementares da gramática portuguesa sempre que nos referimos à concordância em número imposta pela boa convivência sintática dos elementos frásicos.

O numeral “milhar” não pode ficar alheio à força flexional exercida por aquilo a que se refere, neste caso concreto “os venezuelanos”, ainda que não explicitados no título. Trata-se de um numeral antecedido por outro numeral, sendo que o primeiro ocorre no plural e o segundo, por razões não atendíveis, no singular.

Trata-se claramente de uma tentativa de interferência da linguagem matemática em domínios que não são os seus. Uma coisa é a linguagem natural (neste caso, a Língua Portuguesa), outra coisa é a terminologia da ciência dos números. É perfeitamente legítima a flexão apenas do primeiro numeral (dezenas de milhar) quando o que está em causa é tão só uma referência à posição que um determinado algarismo ocupa na representação de um número. Neste caso, estamos a falar da ordem sintática matemática, se tal metáfora me é permitida.

É a esta lógica, aliás, que a extração da lotaria se reporta quando nela se diz “passemos agora ao algarismo das dezenas de milhar”. No entanto, importa salvaguardar, em abono do bom uso da Língua Portuguesa, a pluralização de “milhar” para determinar uma quantidade substancial de seres/objetos cujo número não é conhecido com exatidão. É o caso do título da notícia acima referido, onde, por razões perlocutórias, se procura pôr a ênfase na vontade coletiva dos venezuelanos de alcançar mais democracia para o seu país.

Para terminar, lembro apenas os meus leitores que são dezenas de milhares as ocorrências de “dezenas de milhar”. Por isso, estejamos atentos.

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