(http://realismoarte.blogspot.pt/2009/02/jose-malhoa-o-fado.html)
Desenganem-se
aqueles que fazem um uso indiscriminado das expressões saber de cabeça e saber
de cor, sob o pressuposto de que gozam de sinonímia. Essa não é a minha
opinião e venho aqui dizer porquê.
Trata-se
de duas expressões idiomáticas muito comuns no uso da nossa língua. Saber de cabeça deveria ocorrer, a meu
ver e em bom abono do rigor semântico, em contextos locutórios desprovidos de
envolvência sentimental. Já o saber de
cor invoca o filtro ilusório do coração.
Bem
sei que, assim, estaremos a dar sequência a um equívoco ancestral, segundo o
qual o ser humano pode pensar com a cabeça e com o coração e, nessa perspetiva,
tomar decisões preferencialmente com a razão ou com a emoção. A verdade da
ciência já há muito tempo nos veio dizer que ao cérebro cabe a exclusividade de
pensar e, ao coração, a função de bombear sangue para todas as partes do corpo.
É assim, a anatomia não engana. Contudo, a língua afirma-se pela consagração do
seu uso, devido ou indevido, pouco importa. Não vamos agora banir a palavra átomo do nosso léxico, só porque a
Física Quântica nos veio provar que o nome que escolhemos para designar essa
unidade básica de matéria não faz, afinal, jus à sua etimologia (do grego átomos
– indivisível).
Face
a esta “declaração de princípios”, sabe-se
de cabeça a tabuada, as capitais dos diferentes países ou os números de
telefone de colegas e conhecidos. Já os contactos dos amigos e os de quem
amamos sabemo‑los de cor, tal como os
nomes das pessoas que marcaram a nossa vida ou uma rua/localidade onde fomos
felizes (ou não). Nesse sentido, aponta o percurso diacrónico da palavra “cor”,
usada na sua valência sentimental. Esta tem origem no superestrato latino (cor, cordis - “de coração”), em contraponto à “cor”
da outra expressão (color,
coloris – “tom, tinta”).
Estão,
desta forma, legitimados os versos cantados que tão bem conhecemos…
«Meu amor sei-te de cor»
(Paulo Gonzo);
«Lisboa, sei-te de cor» (Linda
Leonardo)
Ou
aqueles que foram ditos…
«A carta que eu sei de cor» (Guilherme
de Almeida)
Melhor se entende agora
o confronto poético entre as palavras “coração” e “razão”, como em «Importuna
Razão, não me persigas», onde Elmano sucumbe ao poder da primeira, face
à fraqueza da segunda; ou em «Estranha forma de vida» (coração independente […],
eu não te acompanho mais), quando Alfredo Duarte e Amália Rodrigues cedem à
força da segunda, perante a desorientação da primeira.
Alcídio, depois de ler o seu post, cheguei a uma conclusão:
ResponderEliminar- Sei de cabeça os nomes de tanta gente! O suficiente para encher os contentores de um transatlântico.
- Mas os nomes que sei de cor cabem-me na carteira.
E eu sei que tem lá um cantinho para mim, Letícia, entre o rímel e os lenços de papel :)
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