Tem-se assistido nas
últimas duas décadas a uma discussão recorrente em torno do Novo Acordo
Ortográfico (AO90) que rotulo como estéril e fracassada nos seus pressupostos.
Foram aberrantemente
criadas duas trincheiras que colocam em confronto os que estão a favor do AO90
e os que estão contra. Não me vou prender com a parte técnica do documento,
pois essa matéria não se esgota apenas numa publicação. Importa, contudo,
desmistificar aqui a falácia que se criou com a dicotomização do problema, na medida em que a
perspetiva através da qual deve ser abordada a questão não é binária (sim/não)
mas estrutural e holística. A verdade é que Portugal nunca teve uma política do
idioma séria e consistente. Em vez de traçarmos um projeto de futuro para a
nossa língua, de forma a consolidá-la no quadro internacional, entretivemo-nos
a fazer acordos ortográficos avulsos, quando estes só se justificam se
devidamente enquadrados pela referida visão estrutural da língua. Quem se vai
preocupar com meia dúzia de tijolos, quando o projeto da casa está pejado de
defeitos e condenado ao fracasso?
Enquanto a
anglofonia criava Commonwealth na primeira metade do séc.
XX (com propósitos muito semelhantes aos que, cerca de seis décadas
depois, levaram à criação da CPLP), por cá estávamos ainda a procurar
perceber as vantagens decorrentes de um denominador comum chamado “língua”.
Entretanto, a hispanofonia ia fazendo o seu caminho, consolidado em 1951, com a criação da Associação de Academias da Língua Espanhola. Importa
lembrar que, em 1999, os 27 países que compõem o já chamado pan-hispanismo
aprovaram um Novo Acordo Ortográfico, sem registo de quaisquer polémicas.
Só em 1996
é que foi criada a CPLP e muito posteriormente, o IILP, ambos por iniciativa de
José Sarney. Contudo, o mau estar criado com a reforma ortográfica de 1911 (dada
a consumir aos brasileiros de forma unilateral), empolado mais tarde (em 1945)
pela intransigência da Academia Brasileira de Letras, pôs-nos a todos de costas
voltadas e a navegar à vista em matéria de política do idioma, principalmente
em Portugal. Agora, assiste-se a este deprimente espetáculo de guerras
mediáticas entre pró e anti AO90 que já a todos nos leva à náusea: uns a proclamarem
a nova grafia de 1990 e outros a abominá-la, defendendo estes ferozmente a de
1945 que, é bom lembrar, foi espezinhada e difamada por nomes como Teixeira de
Pascoaes e que fez ainda Fernando Pessoa dar voltas no túmulo, depois de ter
passado uma vida a recusar a grafia imposta em 1911. Afinal, o rei vai nu.
Uma língua com
duas grafias até que nem constituiria problema algum. Por acaso, o resultado
desta inércia política em matéria de língua só não teve maiores consequências,
porque, repito, apenas existiam duas grafias (a brasileira e a europeia,
subscrita esta última pelos restantes seis países da CPLP). No entanto, que
aconteceria se cada um dos oitos países seguisse o seu próprio rumo
ortográfico? Que língua resistiria a oito grafias diferentes?
Responder-me-ão:
“Ah, mas isso
nunca iria acontecer!”
Ora cá está um
argumento irrefutável e sapiente!
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