01/06/2015

AO90: a questão não é estar contra ou a favor



Tem-se assistido nas últimas duas décadas a uma discussão recorrente em torno do Novo Acordo Ortográfico (AO90) que rotulo como estéril e fracassada nos seus pressupostos.
Foram aberrantemente criadas duas trincheiras que colocam em confronto os que estão a favor do AO90 e os que estão contra. Não me vou prender com a parte técnica do documento, pois essa matéria não se esgota apenas numa publicação. Importa, contudo, desmistificar aqui a falácia que se criou com a dicotomização do problema, na medida em que a perspetiva através da qual deve ser abordada a questão não é binária (sim/não) mas estrutural e holística. A verdade é que Portugal nunca teve uma política do idioma séria e consistente. Em vez de traçarmos um projeto de futuro para a nossa língua, de forma a consolidá-la no quadro internacional, entretivemo-nos a fazer acordos ortográficos avulsos, quando estes só se justificam se devidamente enquadrados pela referida visão estrutural da língua. Quem se vai preocupar com meia dúzia de tijolos, quando o projeto da casa está pejado de defeitos e condenado ao fracasso?
Enquanto a anglofonia criava Commonwealth na primeira metade do séc. XX (com propósitos muito semelhantes aos que, cerca de seis décadas depois, levaram à criação da CPLP), por cá estávamos ainda a procurar perceber as vantagens decorrentes de um denominador comum chamado “língua”.
Entretanto, a hispanofonia ia fazendo o seu caminho, consolidado em 1951, com a criação da Associação de Academias da Língua Espanhola. Importa lembrar que, em 1999, os 27 países que compõem o já chamado pan-hispanismo aprovaram um Novo Acordo Ortográfico, sem registo de quaisquer polémicas.
Só em 1996 é que foi criada a CPLP e muito posteriormente, o IILP, ambos por iniciativa de José Sarney. Contudo, o mau estar criado com a reforma ortográfica de 1911 (dada a consumir aos brasileiros de forma unilateral), empolado mais tarde (em 1945) pela intransigência da Academia Brasileira de Letras, pôs-nos a todos de costas voltadas e a navegar à vista em matéria de política do idioma, principalmente em Portugal. Agora, assiste-se a este deprimente espetáculo de guerras mediáticas entre pró e anti AO90 que já a todos nos leva à náusea: uns a proclamarem a nova grafia de 1990 e outros a abominá-la, defendendo estes ferozmente a de 1945 que, é bom lembrar, foi espezinhada e difamada por nomes como Teixeira de Pascoaes e que fez ainda Fernando Pessoa dar voltas no túmulo, depois de ter passado uma vida a recusar a grafia imposta em 1911. Afinal, o rei vai nu.
Uma língua com duas grafias até que nem constituiria problema algum. Por acaso, o resultado desta inércia política em matéria de língua só não teve maiores consequências, porque, repito, apenas existiam duas grafias (a brasileira e a europeia, subscrita esta última pelos restantes seis países da CPLP). No entanto, que aconteceria se cada um dos oitos países seguisse o seu próprio rumo ortográfico? Que língua resistiria a oito grafias diferentes?
Responder-me-ão:

“Ah, mas isso nunca iria acontecer!”


Ora cá está um argumento irrefutável e sapiente!

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