29/03/2015

Nós somos aquilo que falamos




Há dias, numa das minhas costumeiras caminhadas pelas margens do rio Vouga, ali muito perto das ruínas da Piscina D. Afonso Henriques, fui abordado por um amigo que me colocou a seguinte questão:
«Por que deste aquele nome tão estranho ao teu blogue»?
 Vi logo ali uma boa oportunidade de conversa e não me fiz rogado. O rapaz não estava com pressa e eu tinha ainda uma digestão para fazer que, aliás, demandava alguma demora. Falámos durante cerca de vinte minutos, o tempo suficiente para o esclarecer sobre o título «estranho e comprido» que escolhi para o blogue. Mas eu prometi-lhe que traria para aqui o teor do meu esclarecimento e cá estou eu a cumprir a dita promessa.
Na primeira metade do séc. XX, dois notáveis linguistas deixaram os académicos perplexos com aquela que, posteriormente, viria a ser conhecida como a hipótese Sapir-Whorf. Em termos muito genéricos, o pressuposto de tal hipótese assenta no facto de cada pessoa organizar as suas mundividências ao arbítrio da língua que fala. Quer isto dizer que um mesmo fenómeno/objeto não é percebido de igual forma por um português e por um japonês, ou seja, cada um concebe o mundo através de uma espécie de filtro linguístico.
Se muitos têm sido aqueles que refutam esta teoria, não menos são os que a sustentam, sendo certo que, ainda hoje, ela persiste nas suas bases fundamentais. Estudos levados a cabo em algumas culturas ameríndias vieram demonstrar indícios abonatórios dos seus pressupostos. É o caso dos falantes de uma delas, para quem o fenómeno “ir”, por exemplo, não existe por si só. Dizer que “alguém foi a casa” não é possível sem que o verbo “ir” se faça acompanhar de uma forma de deslocação, como por exemplo “ir a pé”, “ir a cavalo” ou “ir ao colo”. Se para nós, portugueses, é evidente esse conceito de deslocação de um lugar para o outro, para os falantes da dita tribo assim não é.
Em jeito de resumo diria que, se fisicamente, nós somos aquilo que comemos, cultural e intelectualmente, somos aquilo que falamos. Percebem agora os meus leitores menos familiarizados com matérias linguísticas por que razão nos referimos sistematicamente à palavra “saudade” e à sua matriz lusófona, para marcarmos bem a particularidade da alma lusitana, de entre a imensa variedade de “almas”?
Daí a referência a “Esta língua que me fez” enquanto homem, entre tantos outros que a minha língua não falam.

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