Há dias, numa das minhas costumeiras caminhadas pelas margens do rio Vouga,
ali muito perto das ruínas da Piscina D. Afonso Henriques, fui abordado por um
amigo que me colocou a seguinte questão:
«Por que deste aquele nome tão estranho ao teu blogue»?
Vi logo ali uma boa oportunidade de
conversa e não me fiz rogado. O rapaz não estava com pressa e eu tinha ainda
uma digestão para fazer que, aliás, demandava alguma demora. Falámos durante
cerca de vinte minutos, o tempo suficiente para o esclarecer sobre o título
«estranho e comprido» que escolhi para o blogue. Mas eu prometi-lhe que traria
para aqui o teor do meu esclarecimento e cá estou eu a cumprir a dita promessa.
Na primeira metade do
séc. XX, dois notáveis linguistas deixaram os académicos perplexos com aquela
que, posteriormente, viria a ser conhecida como a hipótese Sapir-Whorf. Em
termos muito genéricos, o pressuposto de tal hipótese assenta no facto de cada pessoa
organizar as suas mundividências ao arbítrio da língua que fala. Quer isto
dizer que um mesmo fenómeno/objeto não é percebido de igual forma por um
português e por um japonês, ou seja, cada um concebe o mundo através de uma
espécie de filtro linguístico.
Se muitos têm sido
aqueles que refutam esta teoria, não menos são os que a sustentam, sendo certo
que, ainda hoje, ela persiste nas suas bases fundamentais. Estudos levados a
cabo em algumas culturas ameríndias vieram demonstrar indícios abonatórios dos
seus pressupostos. É o caso dos falantes de uma delas, para quem o fenómeno
“ir”, por exemplo, não existe por si só. Dizer que “alguém foi a casa” não é
possível sem que o verbo “ir” se faça acompanhar de uma forma de deslocação,
como por exemplo “ir a pé”, “ir a cavalo” ou “ir ao colo”. Se para nós,
portugueses, é evidente esse conceito de deslocação de um lugar para o outro,
para os falantes da dita tribo assim não é.
Em jeito de resumo diria
que, se fisicamente, nós somos aquilo que comemos, cultural e intelectualmente,
somos aquilo que falamos. Percebem agora os meus leitores menos familiarizados
com matérias linguísticas por que razão nos referimos sistematicamente à
palavra “saudade” e à sua matriz lusófona, para marcarmos bem a particularidade
da alma lusitana, de entre a imensa variedade de “almas”?
Daí a referência a “Esta língua que me fez” enquanto homem, entre tantos
outros que a minha língua não falam.
Sem comentários:
Enviar um comentário