Na
lírica, mais do que na narrativa e no drama, explora-se a sublimidade da forma,
de tal maneira que esta não pode ficar nunca aquém da valência do
conteúdo, sob pena de termos que ler poesia de consumo fácil, dessa que grassa exponencialmente
nos escaparates das livrarias da moda. E esta não tem que temer o poder deformador
do fenómeno da tradução, pois não se distorce o que já nasce torto.
Centremo-nos, pois, nos grandes clássicos da literatura. Esses que escrevem não com
a mesma naturalidade como respiram, mas com árduo labor e esforço linguístico e
literário. Só assim se percebe aquilo a que se referia Oscar Wilde quando
escreveu:
«Hoje,
trabalhei muito. Passei a manhã a tirar uma vírgula de um poema e à tarde
voltei a pô-la»
É
aqui que o signo linguístico ganha especial relevo. Ele é tido como arbitrário para a grande maioria dos académicos. No entanto, retenhamos o pensamento do
mexicano Octavio Paz que, num dos seus notáveis ensaios, se atreve a pôr em
causa tal pressuposto tido como irrefutável.
Não
quero aqui reproduzir o diferendo secular instituído entre convencionalistas e
naturalistas. Para os leitores menos familiarizados com esta temática, apenas
adianto que os primeiros defendem a arbitrariedade do signo linguístico e os
segundos, a sua natureza motivada. Ou seja, se para os convencionalistas a
palavra “docente” nada tem que ver com o “objeto” representado na mente do
falante, através do seu conceito (deu-se-lhe essa designação, como se lhe poderia
ter dado outra), para os naturalistas, existe uma relação entre o
significante “docente” e o seu referente material (pessoa que ensina). A
questão não deve incidir na palavra portuguesa “docente”, nem na latina “docere”,
ou na grega “dékomai”. No caso dos naturalistas, é a raiz indo-europeia “dek/dak”
que goza de motivação face ao seu referente.
O exemplo mais evidente do
pressuposto naturalista está nas palavras onomatopaicas, que reproduzem o som
de um objeto/fenómeno do mundo real (eg. a palavra “tilintar”). Octavio Paz recorre ainda ao
fenómeno da glossolalia
(sons produzidos num determinado ritual paranormal) para refutar a total arbitrariedade do signo linguístico, alegando que, independentemente do local
do planeta onde seja praticada (a glossolalia), os sons por ela produzidos acabam por se revelar muito semelhantes entre
si.
Se
tomarmos como credível o carácter motivado do signo, percebemos bem melhor como é extremamente
complicado o trabalho do tradutor de poesia. Tenho para mim que traduzir a palavra “lágrima”, por exemplo, para “tear”, “riva” ou “рвать” constitui uma adulteração
do seu poder expressivo, na medida em que se perde a sonoridade poética dos
fonemas /i/ e /a/, tal como da oclusiva velar e sonora /g/.
Perante
esta celeuma e salvaguardando o direito que todos temos de aceder à literatura
mundial, reitero o princípio:
É
impossível traduzir, mas é impossível não traduzir.
Quanto não se perdeu então com a passagem dos escritos de Pessoa de inglês para português? Se tivesse escrito sempre na língua lusa, teria sido para nós mais evidente todo o seu brilhantismo.
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